Han kuk Musul (무술 em Hangul, 武術 em Hanja) significa Artes Marciais (musul) da Coréia, sendo as suas mais conhecidas formas o Taekyon e o Ssirum (forma luta livre derivada da luta mongola e do Shuai Chia Chinês)
O Taekyon (택견 em Hangul) é uma Arte Marcial típica do Norte da Ásia, com um dinâmica corporal circular e estratégia fluída de luta. Em essência, todas as Artes Marciais “Suaves” do Norte da Ásia compartilham a base de movimentos circulares e fluídos nas técnicas de mão, de acordo com o conceito de “suave contra duro e duro contra suave”. Todos usam técnicas de empuxar e puxar para controlar e desbalancear o centro de gravidade do oponente. Isto é combinado com técnicas de lançamento, alavancas, submissões e Kupso Chirigui (ataque a pontos vitais). As técnicas de mão do Taekyon assemelham-se àquelas dos estilos Chen e Wu do Tai Chi Chüan (estamos falando da Arte Marcial Tai Chi Chüan e não os exercícios de “bem-estar”em que tem se transformado hoje).
Acrescido a essas caraterísticas, o Taekyon tem uma forma de movimentação muito particular, caracterizado pela “translação em onda” no andar e na aplicação das técnicas de chute, de forma a utilizar o peso corporal para aumentar a potencia através da maximização da aplicação da massa e do efeito da gravidade. Esta “onda” só existe nas Artes Marciais da Coréia e em Artes autóctones antigas da Manchúria.
A translação sinusoidal, com elevação e lançamento da massa corporal, utiliza extensivamente a flexibilidade do joelho e uma ligeira elevação na ponta dos pés, assistindo essa movimentação para frente e para trás acompanhado de um “lançamento” dos quadris para frente, aumentando o momento gerado pela massa corporal. Este conceito na translação tem similaridades ao lançamento do torço e dos quadris nas técnicas de ataque nas Artes Chinesas do Pa Kua Chang e do Tan Tui.
Tecnicamente, existe uma harmonia unicamente Coreana na integração da translação em onda, movimentação do corpo e dinâmica nas técnicas de chute. Essa utilização da massa, elevando o corpo e lançando-o para frente, permite maximizar a potencia nas técnicas dominantes no Teekyon, tais como chutes de empurre, barridas e lançamentos, assim como nos chutes circulares (não existem chutes com retrocesso, utilizando o efeito de mola do joelho, como no Karatê) e nos chutes pulando, onde é utilizado o peso do corpo para acrescer o efeito do impacto. O conceito básico desta estratégia de geração de potencia baseia-se na utilização do peso corporal e da fluidez e suavidade na movimentação, minimizando o desgaste de energia.
Dentre as Artes Marciais Coreanas modernas, esta forma tradicional Coreana de movimentação em onda e fluidez foi só herdada pelo Taekwon-Do ITF. Na ITF, esta forma de translação foi adaptada pelo General Choi, integrando-a com as técnicas retas e com foco, herdada do Karatê. O produto final é uma mistura de técnicas de Karatê e as fluidas técnicas circulares de defesa e chute herdadas do Taekyon. Por isso, podemos dizer que o Taekwon-Do ITF é a mais “coreanizada” das Artes Marciais Coreanas modernas.
Em Taekyon, as técnicas de mão são sempre relaxadas e fluídas, sem foco e com ligeiros momentos de contração no impacto, assistidas por uma respiração rítmica, criando as condições para o fluir e a expansão do Ki. Em Taekyon não existem punhos fechados na cintura, socos ou movimentos bilaterais para compensar o efeito de ação-reação, como em Karatê e Taekwon-Do. O uso intensivo de ataques com os dedos, agarres e lançamentos é sempre executado em sequenciais ininterruptas, onde uma técnica suavemente flui na seguinte, como nas Artes Marciais Chinesas internas. Não existe o conceito de “um soco, uma morte” como em Karatê e os estilos de Artes Marciais do Sul da China, das quais deriva o Karatê e, subsequentemente, parte das técnicas do Taekwon-Do.
Existem antigos Bontae (formas) de Taekyon com movimentos lentos e respiração específica para Ki Gong, entremeados com técnicas rápidas e fluídas, o traz reminiscências do estilo Chen de Tai Chi Chüan, com o qual não existe qualquer relação conhecida. Estas similaridades podem ser um bom exemplo de evolução convergente.
Ainda, a respiração rítmica, com Kihap controlado, é adaptado para a execução fluída das técnicas de Taekyon. O "eikh-eikh-eikh" repetitivo, em cada passo, e o "eikhoo" no momento da execução da técnica, é muito apropriado para manter o clímax no fluir do Ki ao longo da sequência.
O ITF Taekwon-Do tem uma forma única de vocalização no momento da execução da manobra Valsava (manter a respiração fechando a glótis para aumentar a pressão intratorácica, aumentando a transferência de potencia) associada a cada técnica. Este conceito de Kihap controlado, adaptado pelo General Choi, é uma caraterística única da ITF. Nenhuma outra Arte Marcial moderna da Coréia conserva esta particularidade das Artes Marciais Coreanas Tradicionais.
Em Taekyon, a forma de respiração varia desde a respiração “clavicular” (respiração com a parte superior dos pulmões, puxando o diafragma para acima) que é adequada para técnicas pulando e chutes altos, até a respiração “abdominal” (respirando com a parte inferior dos pulmões, empurrando o diafragma para abaixo), que é requerido para abaixar o centro de gravidade e aplicar o peso corporal na execução das técnicas
Estas variações técnicas são encontradas, também, em alguns estilos do Norte da China, tanto Externos (Wu Chia), como nos estilos Chen e Wu de Tai Chi Chüan. No entanto, As Artes Chinesas do Sul, assim como o Karatê, não evoluíram nessa direção.
Em Taekyon, o Ki Gong é praticado, basicamente, em pé, com os braços girando e com movimentos de extensão, acompanhados de exercícios de respiração e visualização. Hoje, algumas Escolas de Hapkido adotaram esse estilo de Ki Gong.
Evolução das Han Kuk Mu Sul
Após a Segunda Guerra Mundial, especialistas em Karatê Coreano e Ju Jitsu (Hapkiyusul) resgataram algumas técnicas de chute e estratégias de luta do Taekyon e as integraram em Modernas Artes Marciais “Coreanizadas”, mais tarde agrupadas no Taekwon-Do e no Hapkido.
Naquela época, o General Choi Hong Hi (최홍희 em Hangul e 崔泓熙 em Hanja) era um dos poucos especialistas Coreanos em Artes Marciais, com uma visão rica e elaborada desse processo de sincretização. Comparados com ele, a maioria dos especialistas Coreanos em Artes Marciais careciam de qualquer entendimento da cultura, história e tradições da Coréia, já que eram pessoas que tinham passado a maior parte das suas vidas fora do País e sob a influência da aculturação forçada imposta pelos Japoneses. Na sua maioria, esses especialistas eram pessoas de baixo nível social, alistados no Exército Japonês como soldados, e com educação formal muito pobre ou, pura e simplesmente, iletrados. Só alguns poucos praticantes, como o Gen. Choi, tiveram contato com o Karatê em Universidades Japonesas, sendo que só ele tinha uma bagagem suficientemente rica nas tradições marciais Coreanas como para resgata-las e mante-las vivas na essência do Taekwon-Do. O resto dos coreanos que voltaram com conhecimentos avançados de Karatê, pouco ou nada fizeram no processo de criação do Taekwon-Do. A maioria simplesmente renomearam o Karatê com novos nomes coreanos, e mantiveram a mesma estrutura técnica importada (Tang Su Do, Kong Su Do, etc.), com algumas melhoras nas técnicas de chute.
O General Choi era um homem culto, com uma sofisticada educação e com um amplo e profundo entendimento das nuances da Cultura Coreana. Ele tinha a competência para resgatar, não só os chutes “duros” do Taekyon (o que era fácil de apreciar para um simples Karateka, acostumado a socar e chutar com violência e sem “qualidade”), mas também a delicadeza do movimento em onda e o conceito do “lento integrado com a fluidez e a velocidade”. Ele também resgatou o controle diafragmático da respiração do Taekyon, seja para facilitar a elevação do corpo (pulos e chutes) como para baixar o centro de gravidade, colocando o peso corporal “atrás” das técnicas (em ação descendente), facilitando o “enraizamento” da posição.
Ao longo dos anos, desde o Taekwon-Do “estilo-Karatê” duro , nos anos 60', e o Taekwon-Do ITF dos 70', que mantinha ainda o giro do quadril para assitir no lançamento das técnicas de mão, a ITF tem evoluído e amadurecido grandemente, até o estágio em que se encontra hoje, resultado dos aperfeiçoamentos realizados pelo General Choi, com a colaboração de vários dos seus mais antigos discípulos (como Nam Tae Hi, Bok Man Kim e Han Cha Kyo) até pouco antes da sua morte.
Pelo contrário, o Taekwon-Do WTF (a “Mundial”), ao longo desse período, simplificou e eliminou todas as técnicas “Marciais”, transformando-se em um esporte “só-chute”, aumentando mais ainda a rigidez herdada dos Japoneses (a parte “ruim” da rigidez do Karatê), fazendo com que as técnicas executadas com os membros superiores ficassem praticamente inúteis.
Indo em uma direção totalmente diferente, com o Renascimento da Cultura Coreana alimentada pela liberdade democrática obtida recentemente, está se notando um afastamento das Artes Marciais padronizadas para as Massas, inventadas durante os governos ditatoriais, durante os 70's e 80's com bandeira do Nacionalismo Militar Coreano que levou à WTF às Olimpíadas.
Recentemente, alguns especialistas de Taekyon, Kum Do (esgrima Coreana) e Hapkido, começaram a explorar a relação entre a fluidez, no conceito de luta das Artes marciais Tradicionais da Coréia, e os conceitos de economia energética das Artes Marciais Internas da China, buscando dar ênfase à extensão e projeção do Ki, de forma a aumentar a eficiência na luta.
Este é um experimento muito interessante, vindo do sincretismo eclético e sem constrangimento de Mestres Coreanos altamente educados (exitem um número significativo e crescente deles fugindo do simplista WTF e das formas deturpadas de Hapkido, misturadas com Si Pal Ki e outra formas de Kung Fu simplificado). Assim como com o Taekwon-Do ITF e algumas escolas de Hapkido, podemos esperar outro belo produto Marcial a partir desses exercícios de pesquisa.
Como conclusão, podemos dizer que o Taekyon está de volta e que, ainda hoje, é uma fonte permanente de novas idéias. O Taekyon é o berço de inspiração de todas as Artes Marciais Coreanas Modernas.
Seguramente que, também por isso, o regresso da ITF a Coreia do Sul, pouco tempo atrás, teve tanto sucesso e está atraindo tantos velhos e novos praticantes de Taekwon-Do.
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